OUSAR PARA VIVER…
Foram 271 arremessos de três nessa rodada, e uma equipe, a de Joinville conseguiu a façanha de arremessar mais de três do que de dois (14/38, 18/34) em seu jogo contra o Pinheiros, num total de 62 tentativas de longa, e agora ampliada, distância.
Em tempo algum o sistema único de jogo, com seus especialistas nas posições de 1 a 5, atingiu tal culminância da alcançada nesse NBB3, onde, inclusive, pivôs retornam gloriosamente aos arremessos de três, situando-se num perímetro onde a captação de rebotes é nula, função básica de um reboteiro de ofício.
E com a maior abrangência de espaços, decorrentes do aumento na distância da linha de três, os embates de 1 x 1 se tornaram mais freqüentes, nos quais a pouca habilidade nos dribles e fintas, somada à inabilidade defensiva da maioria dos jogadores, culminam numa sucessão de erros de fundamentos altamente preocupante numa divisão de elite, agravada quando defesas zonais são empregadas, desencadeando uma hemorragia de arremessos de três, solução que dispensa(?) maiores envolvimentos com chatíssimos dribles e fintas.
E por sobre tal cenário, nosso técnico nacional percorre o país desenvolvendo um projeto de seleção permanente para jovens de 15 a 18 anos, cujo referencial básico é fazê-los jogar de forma parecida com a divisão adulta e seu sistema único de jogo, codificado, marcado e coreografado, cujo grau de previsibilidade é de conhecimento até de técnicos chechenos e esquimós.
Combater essa previsibilidade técnico tática teria de ser a prioridade das prioridades, onde um ensino qualificado dos fundamentos, em todas as suas minúcias e variações, se constituiria no projeto a ser atingido numa preparação séria e responsável, além de uma segunda etapa, a busca de sistemas diferenciados de jogo, que explorassem todas as potencialidades naturais de nossos jovens, e que se constituíssem numa fonte inesgotável de criatividade e leitura permanente de jogo, habilidades estas hoje obliteradas pelo monitoramento das ações, de fora para dentro da quadra de jogo.
Acredito firmemente que somente um grande esforço voltado ao eficiente e responsável ensino dos fundamentos individuais e coletivos em nossas divisões de base, nos tiraria dessa repetição do óbvio, dessa mesmice técnico tática, desse limbo em que nos encontramos.
Mas para tanto, torna-se urgente e necessário uma reformulação de clinicas e atualizações, nas quais se perdem recursos e precioso tempo em discussões inócuas, proferidas por pessoal não qualificado na função de ensinar a ensinar a base do grande jogo, seus fundamentos, mais preocupados com preparação física, testes inconseqüentes, padronizações e formatações de caráter coercitivo e altamente limitadoras.
Essa deveria ser a função precípua da ENTB, e que por si só já renderia estudos e pesquisas, se bem planejadas na pratica. Formar um pequeno exército de professores habilitados no ensino correto dos fundamentos, precederia toda e qualquer tentativa de se implantar sistemas de jogo antes de alcançadas as metas projetadas para os mesmos, sem os quais sistemas inexistem em precisão e confiabilidade.
Mas como abandonar as pranchetas, o sistema único, a confraria que os utilizam, e por isso mesmo se tornam fonte de emprego e aparente fonte de segurança e continuísmo, em prol de uma atividade que exige muito estudo, pesquisa e trabalho, muito trabalho, e acima de tudo quase sempre mal pago?
Isso me lembra um técnico que justificava seu posicionamento de não estudar, com uma pérola de raciocínio – Porque perder meu precioso tempo estudando, se existem malucos como você que estudam e pesquisam? Vejo o que dá certo com você e simplesmente o aplico, sem sacrifícios e inúteis renúncias.
Creio que é chegada a hora de decidirmos o que queremos para o soerguimento do nosso basquete, e um primeiro passo foi tentado por mim no Saldanha da Gama, onde baseei todo o trabalho nos fundamentos e num sistema diferenciado de jogo, provando ser factível que adultos se exercitem nos fundamentos, com melhoras e aprimoramento técnico visível. Por que não nossos jovens? Mas Paulo, você ficou fora do NBB3 por conta dessa tentativa, não? Sim, numa prova cabal de resistência de um status quo solidificado, mas que pode, e deve ser rompido, se quisermos sair dessa mesmice, desse deserto de idéias e ausência de criatividade.
Ousar é sinônimo de vida, de progresso. Ousemos então.
Amém.