O XERIFE…

Jogo empatado a vinte segundos de seu final, último ataque para a equipe do Pinheiros, tempo pedido, o técnico pouco fala, pois o que se vê é um jogador argentino distribuir instruções, seguido pelo selecionável cestinha brasileiro, e calados se mantiveram os técnicos, o principal e o reserva, digo, assistente, e lá se foram para a decisão planejada e discutida, quando…

Calado tinha convenientemente ficado o americano durante os discursos, e calado ao receber a bola agiu como sempre o faz, no impulso estritamente individualista, e nesse caso em particular, absolutamente aventureiro, sua marca pessoal.

Até aquele momento havia convertido 26 pontos, nenhum dos quais produtos de arremessos de três (tentou por três vezes e errou), se depara num 1×1 com seu conterrâneo, pela lateral, terreno de sua preferência, com tempo mais do que suficiente para uma firme e pensada penetração em busca de um único ponto necessário para a vitória de sua equipe, onde poderia, pela grande habilidade de que é possuidor, conseguir marcar os dois pontos através um DPJ, ou uma bandeja, e quem sabe mais um por falta recebida, ou simplesmente cobrar dois lances livres, nos quais possui grande eficiência, após ser parado, com toda a certeza de que o seria,  por uma falta pessoal. Três possibilidades óbvias e ao alcance de suas virtudes de grande e eficiente finalizador em curtas, e por isso mais precisas distâncias, como deveria se comportar um jogador responsável, de alta categoria e linhagem, inserido numa equipe de alta competição.

Mas não, calado ficou durante a caótica e indesculpável balburdia em portunhol no tempo pedido, mas não corretamente utilizado por nenhum dos técnicos na língua que fosse, guardando para si a decisão mais incorreta naquela situação, mas sabendo que se falhasse uma prorrogação já estaria garantida, logo, sair como herói soava bem naquela altura, além, muito além de sedimentar seu status de verdadeiro xerife,  longamente estabelecido na equipe, e bem acima de quem pretensamente pensa comandá-lo.

E a “bolinha” lá de fora arranhou o aro, mas caiu, para júbilo de todos aqueles que o viram como o inconteste herói, como aquele que culminou a jogada jamais planejada pelo comando, ou por seus companheiros, e sim de sua própria, arriscada e aventureira lavra, onde o “dar errado” se perdeu nos abraços e afagos de todos, num clímax que bem representa o micro cosmo do nosso basquete, aquele no qual a “sorte” define destinos e rentáveis continuísmos, muito mais vantajosos do que a simplória e desnudada competência meritória, penduricalho de um basquete basicamente movido e mantido pelos vivíssimos e inteligentes (por que não?) xerifes de plantão.

Quanto ao jogo? Ora, o que importa frente a um glorioso final como aquele. Ou deveria importar? Creio que o sorriso e o olhar matreiro do formidável Shamell ao final do jogo, durante a entrevista respondida em português, depois de ser abordado caipiramente em inglês, explicitou em estéreo e à cores, o que representa para ele jogar o grande jogo nesse caótico país, uma independente, personalíssima, e muito bem paga farra sem fim.

Enquanto isso, o estelar Flamengo…

Amém.

Foto-Divulgação LNB.



14 comentários

  1. Reny Simão 29.01.2012

    Muito bem colocado, Professor! Também achei absurda a opção tomada para finalizar a jogada.

    Quanto ao comportamento do técnico, creio que quase ninguém entende quando ele fala (quando ele fala). Acho que êle tem uma péssima dicção, as palavras saem como grunhidos.

    Faço a crítica por acreditar que este defeito pode ser corrigido sem muitas dificuldades.

  2. Basquete Brasil 30.01.2012

    Pois é Reny, veja como uma vitória “apaga” detalhes incovenientes: “A jogada foi desenhada para eu decidir. Quando eu peguei a bola, eu vi que a defesa deles estava fechada e optei por fazer o arremesso de três pontos. O (David) Jackson sabia que eu ia tentar cortá-lo, então tive mais espaço para fazer o chute. Foi minha primeira bola de longa distância na partida e graças à Deus pude dar esta importante vitória para nossa equipe, disse Shamell”.(Blog Basketeria).
    Só não disse que tal risco não decretaria a derrota da equipe se falhasse, já que o jogo estava empatado, e que aquela foi a quarta tentativa de três, e não a primeira…
    Essa é a nossa realidade, mesmo com técnicos falando baixo, alto, ou de forma incompreensível…
    Um abraço, Paulo.

  3. Victor Dames 30.01.2012

    O que achei uma grande falha foi a defesa do Fla nessa jogada. O Jackson levou um baile do Shamell na partida toda, é um jogador bem mais baixo que o compatriota pinheirense. Sabendo da qualidade do arremesso de três do americano, porque o técnico rubro-negro não colocou outro jogador a marcá-lo? Na minha modesta opinião, ofensivamente, a jogada do Shamell podia até não ser a melhor escolha, ainda que tenha tido sucesso, mas a obrigação do time que está na defesa é considerar todas as possibilidades de ataque do adversário, sobretudo numa bola derradeira.

    A verdade é que tenho me convencido cada vez mais que o treinador argentino pouco acrescentou a equipe do Fla. Até melhorou as rotações ofensivas, especialmente pelo uso mais insistente dos pivôs e mais comedido dos arremessos longos (embora em certas circunstâncias de jogo o Marcelinho ainda abuse deles), mas defensivamente, com exceção da aplicação individual do ótimo Kamerichs, o Flamengo é praticamente o mesmo dos tempos do Paulo Chupeta.

    Somos parte desta mesma pasmaceira que domina o cenário nacional. Tá mais que na hora de se repensar os conceitos, seja no time, seja na modalidade.

    Abraços!

  4. José 30.01.2012

    Olá, sempre leio o seu blog, mas é a primeira vez que coloco meu comentário.
    Não discordo do seu pensamento, aliás também penso assim, é muito melhor uma jogada segura de 1 ponto que uma arriscada de 3, ainda mais nas circunstâncias que estava.
    Mas também não posso deixar de lembrar que isso é muito comum no país do basquetebol (EUA), sempre criando heróis de último lance. E com certeza nossos jovens querem essa fama.
    Gostaria de fazer outro comentário, inclusive consta no seu Blog, sobre a quantidade de jogadores estrangeiros. Fico admirado ao ver um técnico passando instruções em inglês ao(s) jogador(es). Penso que se uma equipe tiver um norte-americano, um argentino ou um outro atleta de língua diferente, o tempo técnico de 1 minuto não será suficiente para um técnico, mesmo poliglota, passar as instruções.
    Logo teremos que aumentar esse tempo pra uns 3 minutos.
    Não vi, pode ser que exista, na NBA um técnico passando uma informação a um atleta em português.
    Só o Brasil gosta de inventar, creio eu que o interesse tem que ser do atleta, mas como não existe planejamento e jogadores se apresentam com o campeonato em andamento, não dá tempo pra aprender a língua nativa.

  5. Basquete Brasil 30.01.2012

    Um detalhe Victor, o Jackson tem 1,95 e o Shamell 1,94 (Site da LNB),e naquela jogada (veja o video no blog Lance Livre),o Shamell repõe a bola em jogo para o Figueroa, recebe de volta com 5 seg ainda de jogo, tem todo o espaço à sua frente, pois seus companheiros se colocaram à esquerda do ataque a fim de deixar espaço para a penetração, finta para a esquerda (direção do garrafão)e corta para a direita para efetuar o arremesso de três. Desculpe, mas foi uma atitude planejada com frieza e declarada intencionalidade.Como disse no artigo, não haveria perigo de derrota, pois o jogo estava empatado. Aventurou conscientemente, e saiu como herói, simples assim.
    Quanto à sua preocupação pelo momento técnico tático por que passa o nosso basquete, concordo plenamente com você.
    Um abraço, Paulo.

  6. Basquete Brasil 30.01.2012

    Prezado Enrique (José),quando comento de muito o processo de colonização por que viemos passando nas últimas duas décadas, ao atrelarmos nosso modo de jogar ao da NBA, claro que junto às técnicas e táticas importadas, também os vicios são agregados, principalmente pelos jovens, aspecto este que você menciona com propriedade. Claro que caberia a nossa formação de base recolocar essa juventude no caminho correto, e é nesse ponto que a mesma falha lamentavelmente, assim como o fato inconteste de que em nenhum momento nossos técnicos se preocupam com o básico fator de que cabe ao estrangeiro se adequar linguisticamente ao nosso país, e não o contrario, que é o que se vê amiúde em nossas equipes. São aspectos culturais que tem de ser enfrentados, e não deixados de lado, como acontece.
    Um abraço, Paulo Murilo.

  7. Victor Dames 30.01.2012

    Nobre Professor, também consultei os dados físicos dos atletas antes de emitir minha opinião, mas sinceramente, só acredito nessa altura do Jackson com uma fita métrica! Já vi alguns jogos ‘in loco’ do Fla na atual temporada, e ele não parece ser mais alto que o Duda, por exemplo, que segundo os dados oficiais da LNB tem 1,91. Quanto a jogada executada pelo Shamell, também a achei escolhida e pensada, inclusive no tocante ao risco de êxito e falha. Só acho que a defesa do Flamengo é que não considerou uma jogada que o Pinheiros pudesse realizar com sucesso. E isso, no momento derradeiro do jogo, agrava mais ainda a falha defensiva, sem tirar o mérito do êxito ofensivo.

    Abraços!

  8. Basquete Brasil 31.01.2012

    Prezado Victor, naquelas circunstâncias do jogo, onde havia a igualdade no marcador, menos de 20 seg a jogar, e bola na mão de uma equipe pontuadora, com dois precisos infiltradores como o Figueroa e o Shamell, seus marcadores teriam de ser, antes de mais nada, velozes. Por isso o Jackson ficou na marcação do Shamell, porém cometendo um erro crucial, ao marcá-lo à meia distância para evitar o corte, quando deveria se juntar a ele, exatamente para não dar espaços para os deslocamentos antecedentes ao arremesso longo, obrigando-o ao corte para o arremesso à curta distância, numa região em que se colocou (note no video do Lance Livre) o Kammerichs visando uma anteposição à possivel infiltração.Com duas opções à sua mercê, e um jogo empatado, o Shamell partiu para o abraço da galera, tendo a garantia de que se falhasse o jogo prosseguiria.
    Um abraço, Paulo.

  9. Victor Dames 31.01.2012

    Perfeita análise, como de hábito, Professor. Não havia enxergado a postura contra infiltrações. Não que eu discorde, mas ainda acho que a troca do marcador do Shamell poderia ser útil, já que o Jackson, embora bom jogador, fez uma defesa ruim o jogo todo. As vezes me parece que alguns técnicos esquecem as ilimitadas substituições que podem fazer durante um jogo. Ironicamente falando, talvez fosse melhor jogar como na NFL, substuindo todos os jogadores quando da mudança da posse de bola… Rs.

    Abraços!

  10. Rodolpho Sarandy 01.02.2012

    Parabéns pelo Blog, Prof. Paulo Murilo.

    Sou morador do ES e fiquei bastante curioso com o seu trabalho no Saldanha da Gama, pegando uma equipe fraquíssima, sem nenhum grande talento individual, em último lugar na tabela e conseguindo melhorar sua classificação e, principalmente, seu sistema de jogo. Isso que me trouxe ao blog há algum tempo, porém esse é meu primeiro comentário.

    Para não ser injusto com o repórter da Sportv, o inglês dele é excelente, principalmente se compararmos ao que vemos de outros profissionais do ramo. Já que o assunto é língua, a do basquetebol deveria ser a relevante, então acho que essa de Portunhol, inglês ou qualquer outra não é motivo para depreciarmos o trabalho de um profissional. Tem um técnico uruguaio no NBB, que com seu castellano tá botando todos os outros no bolso, na minha opinião.

    Já o técnico Rubro-Negro realmente não consegue fazer o time jogar, especialmente na defesa. Paulo Chupeta era visto como um Joel Santana da bola laranja devido a sua simplicidade, muitas vezes confundida com falta de conhecimento, o que é em parte verídico. O Problema é que o Garcia é tão fraco quanto no quesito defesa. O sistema defensivo e desatenção do Flamengo são coisas vergonhosas pra atletas olímpicos e pra um time que busca ser o melhor da América do Sul.

    Já a quantidade de arremessos de longa distância – que eu também abomino – só será diminuída com o aumento da quadra, no tamanho NBA. Aumentar a linha dos 3 pontos não adianta. A falta de recurso, espaço e criatividade força o brasileiro a chutar antes de mais nada. A partir do momento que a quadra aumentar de tamanho e os pivôs puderem ter espaço pra trabalharem, a coisa mudará. Com essa dimensões de quadras ridículas não há gênio da prancheta que ache um sistema que privilegie o jogo de costas pra cesta.

    Grande abraço!

  11. Giancarlo 01.02.2012

    Olá, professor,

    E pensar que ainda temos os que defendem a convocação de Shamell para a Seleção e – pasme – como reserva de Huertas, pois “ele sabe levar a bola”. Argh. O que posso entender como: massagear a bola por 20 segundos no perímetro e buscar seus atos de herói, uma sanha dramática que vem desde os tempos de Araraquara. É um jogador cheio de recursos, realmente, mas com uma vocação de popstar daquelas. Rouba bolas de Marquinhos e Alexandre e é cultuado pela galera. Ele realmente achou a terra certa para xerifar.

    Um abraço,
    Giancarlo.

  12. Basquete Brasil 01.02.2012

    Olha Victor, o sonho de muitos técnicos vai um pouco além desse, pois se dependesse deles a cada posse de bola se sucederia um pedido de tempo, a fim de estipular o que deveria ser feito pelos jogadores a cada jogada, pois se consideram parte fundamental do sistema que empregam. Esquecem que o jogo pertence aos jogadores, e somente a eles, advindos de um extenso e duro treinamento, este sim, campo majoritário dos técnicos, onde exercem em pleno sua condição de implementadores técnico táticos de suas equipes, preparando-as para enfrentarem seus adversários com independência e responsabilidade. Poucos, infelizmente, pensam e agem dessa maneira, entravando sobremaneira o desenvolvimento técnico-criativo de seus jogadores.
    Um abraço, Paulo.

  13. Basquete Brasil 02.02.2012

    Prezado Rodolpho, obrigado por sua participação aqui neste humilde espaço, pródigo em boas e bem colocadas discussões, fator primordial ao surgimento de ações que ajudem o grande jogo a se soerguer no país.Respeito suas opiniões acima expostas, somente colocando um adendo quanto às dimensões da quadra e sua relação no aumento da dinâmica de jogo. As dimensões olímpicas (28x15m)são suficientes para que o jogo seja bem jogado, na medida em que sistemas ofensivos e mesmo defensivos alcancem em nosso país a dimensão praticada no mundo FIBA, já que o mundo NBA propugna por regras específicas, estabelecendo uma forma diferenciada de basquetebol. E exatamente por ser um jogo diferente, que a seleção americana, composta por profissionais da NBA, dispende um enorme tempo de treinamento para se adequar ao sistema FIBA. Cabe aqui dizer, que os Estados Unidos é a única nação no mundo que joga um basquetebol próprio, e seria um absurdo exigir das demais nações que se adaptassem ao seu modo único de jogar. Logo, não carece de fundamentação, nem técnica, nem tática, o argumento de que o aumento das dimensões do campo de jogo deva ser copiado da NBA,para tornar mais dinâmico o jogo, e consequente diminuição dos longos arremessos de três pontos. Defesa fora do perímetro bem treinada e bem estabelecida é o que nos falta para contestar esses arremessos, nada mais do que isso.
    Um abraço, Paulo Murilo.

  14. Basquete Brasil 02.02.2012

    Agora mesmo Giancarlo, o jogador Griffen do Clippers está sendo endeusado por uma “enterrada monumental”, somente possivel na NBA, onde dobras são praticamente impossiveis, e onde inventaram a tal da área onde o defensor se torna vitima inoperante do atacante que penetra em velocidade. Duvido que tal enterrada fosse possivel por sobre defesas no sistema FIBA de jogo, duvido mesmo. Mas pela divulgação midiática do grande feito, já já teremos nossos jovens na busca de algo semelhante, não importando a mediocridade do Griffen nos demais fundamentos do jogo. Enterradas cinematográficas e arremessos “decisivos”de três é o que vem fazendo a cabeça de nossos jovens, infelizmente. Logo, a escola Shamell ainda influenciará muita gente…
    Um abraço, Paulo Murilo.

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