TODA UNANIMIDADE É BURRA…
Terminado o Pré-Olímpico Feminino, afora a esmagadora superioridade da equipe americana e a pálida participação brasileira, três aspectos podem ser considerados : 1 – Como o desenho tático de todas as equipes envolvidas na competição eram idênticos, ou seja, seguiam a norma convencionada como “o conceito moderno do basquetebol”, que nada mais é do que o sistema criado, empregado e difundido pelas ligas profissionais americanas, NBA e WNBA, copiado e globalizado pela maioria dos países, numa aceitação cega e servil de um conceito hegemônico, prevaleceu aquela equipe que detinha nas posições características do mesmo as jogadoras mais bem preparadas nos fundamentos do jogo, aliados a uma viril atuação defensiva, e extrema velocidade na ação ofensiva. Num confronto entre sistemas similares, venceu aquela equipe mais bem preparada nos fundamentos, o diferencial decisivo e divisor entre as equipes participantes.
2 – Essa constatação de caráter primário torna o enfrentamento competitivo indissociável ao maior ou menor domínio que toda e qualquer equipe possua sobre os fundamentos básicos, que quanto mais se aproximarem da excelência e fina execução das americanas, maiores serão as chances de emulá-las, e eventualmente vencê-las. É claro, se estabelecido que o sistema de jogo seja o mesmo empregue por elas, o que de saída as deixam como eternas favoritas, pelo que expusemos até o momento. Essa aceitação suicida de conceito coloca suas potenciais adversárias perante uma única evidência, a necessidade de um preparo minucioso e profundo nos fundamentos, único ponto em comum que pode ser diferenciado nas ações individuais e coletivas. Por dominar esses pormenores técnicos individuais e coletivos, é que o sistema defensivo norte-americano se impõe às demais equipes, numa aplicação contínua e agressiva de engenharia reversa, na desconstrução de um sistema que dominam por hábito e tradição, fatores que as antepõem aos movimentos ofensivos das adversárias, ou seja, atuando de forma antecipativa ante a previsibilidade de movimentos e ações que dominam como nenhuma outra equipe.
3 – Torna-se óbvio que somente sistemas opostos ao granítico e bem sedimentado modelo americano, respaldados em uma minuciosa preparação nos fundamentos básicos, tanto individuais , como coletivos, poderão mudar o padrão vigente, o que já vem sendo tentado por algumas equipes européias no rastro das experiências masculinas, que já provaram a possibilidade de derrotarem os americanos. Infelizmente, não é esse o caminho adotado pelas seleções brasileiras, totalmente voltado ao modelo americano, sem no entanto, contarem com o domínio dos fundamentos daquele. Pecamos drasticamente nas ações individuais, no drible, na finta, no posicionamento defensivo, nos arremessos. Nos mantemos fieis e escravos das jogadas advindas daquele modelo, sem a qualificação fundamental para exercê-lo. Confundimos velocidade com pressa, coreografia com ação instintiva e improvisada. Trocamos sistematicamente a progressão vertical e incisiva pela lateralidade inócua. Nos prendemos a uma prancheta em vez da busca pelas pequenas, porém decisivas falhas nas ações ofensivas e defensivas das adversárias, em sua performance física, e nas atitudes comportamentais.
O novo e inusitado, a coragem de trilhar novas concepções técnico-táticas, como, por exemplo, a utilização de um sistema baseado em dupla armação e a utilização de três jogadoras altas, móveis e velozes, treinadas exaustivamente nos fundamentos, numa anteposição ao hoje implantado e aceito pela grande maioria, o conceito americano de jogar, poderia ser desenvolvido e criado com boas possibilidades de sucesso, pois confrontaria a mesmice, até mesmo internacional, desmistificando um padrão , que a magistral definição do imortal Nelson Rodrigues, esclarece “ser toda unanimidade burra”.
No entanto, tais mudanças necessitam de um aporte fundamentado na fulcral necessidade de um salto qualitativo e superlativo, na busca de algo realmente novo, instigante e audacioso, elementos inspiradores aos grandes projetos, antítese da aceitação passiva e covarde do que nos impuseram criminosamente como a única verdade a ser seguida, o abominável e unilateral “conceito moderno do basquetebol”, aquele que somente beneficiou, e beneficia quem o criou, graças às bases escolares e universitárias que o alimentam. Retiremos deles o exemplo marcante pela prática sistemática dos fundamentos do jogo, aplicando-os aos nossos conceitos técnicos e táticos, que beneficiem, enriqueçam e embasem uma nova forma de jogar, nossa forma de jogar. Com estudo, muito trabalho, desprendimento e coragem poderemos galgar algo mais do que tentarmos ser o que não somos, mas fomos um dia.
Amém.