A TEORIA NA PRÁTICA…
Estamos à véspera de termos de volta a seleção masculina nos torneios internacionais, e logo uma importante Copa América, com técnico novo, com comissão tão nova quanto, promessa da nova direção da CBB, visando um novo tempo em nosso combalido basquetebol…
Veteranos e novas caras abundam para uma convocação de certa qualidade, onde sobram pivôs, como Nenê, Splitter, Varejão, Felício, Augusto, Lucas, Bebê, Faverani, Hettsheimeir, Alexandre, Guilherme, Jefferson, e mais alguns que podem ser lembrados, assim como armadores, Huertas, Fulvio, Raul, George, Derick, Benite, e alas a vontade, como o Alex, Marcos, Meindl, Lucas, Caboclo, Jimmy, Renato, Leandro e tantos outros, novos e mais experientes, cenário este que favorece plenamente uma convocação prêt a porter, ou seja, toda essa turma perfeitamente afinada com o sistema único, com seus manjados chavões desde sempre, nas movimentações punho, polegar, chifre, picks, camisa, e sei lá mais quantas denominações seis por meia dúzia, já que absolutamente iguais, a começar com um indefectível e solitário armador, dois alas e dois pivôs jogando mais fora do que dentro do perímetro, num carrocel repetitivo de uma mesmice endêmica aterradora, que compõem o eterno e limitado repertório “via prancheta” da esmagadora maioria dos técnicos nacionais, da base a elite, que teimosamente ousam duelar uns com os outros utilizando as mesmas armas ofensivas e até defensivas (quando existentes), estendendo-as até nos confrontos internacionais, onde o sistema único se constitui, com pontuais e importantes exceções, o lugar comum técnico tático existente, porém algo diferenciado pela maior qualidade de jogadores bem formados nos fundamentos básicos, fator nevrálgico na realidade de nossos jogadores, e que os situam sempre a beira de resultados nada positivos quando os enfrentam…
Então, desde já, e bem antes da escolha que deverá ser anunciada por estes dias, podemos com alguma precisão prever que, fora uma ou outra convocação discutível, o fator técnico tático em nada mudará, talvez a cor da hidrográfica a ser largamente utilizada, e a presença do novo logo da CBB impresso na onipresente e midiática prancheta, ora essa…
Como postei no artigo anterior, onde recordei o Desafio proposto em 2010 logo após o NBB2, relembro agora uma entrevista que dei ao Fabio Balassiano em seu blog Bala na Cesta pré UOL, logo após os dois primeiros jogos em que dirigi o Saldanha da Gama naquele NBB, quando o jornalista me perguntou algo instigante e desafiador, que passo a reproduzir:
(…)– Você tem adotado uma postura tática que muita gente conhece através de seus posts: dois armadores, três pivôs móveis. Como é isso em quadra? Fale, também, da sua “ordem” pelos não-chutes de três pontos e poucos erros. Essa pergunta, aliás, gera outra: será que é possível, sim, vermos uma seleção nacional com Nenê, Anderson Varejão e Splitter ao mesmo tempo, ou é devaneio?
— -Tenho aplicado esse, vamos conceituar, sistema, há muitos anos, e agora aqui no Saldanha, claro cumprindo o pré-requisito dos fundamentos, para que o mesmo se torne plausível. Os 22 erros do jogo passado ainda sinalizam a premente necessidade de praticarmos alguns fundamentos pendentes, passes e fintas. Se aceitarmos o lugar comum que setoriza um perímetro externo e outro interno, limitados pela linha dos três pontos, podemos determinar o externo como de ação direta dos dois armadores, em toda a sua extensão, e o interno como região prioritária dos três homens altos, que se rápidos, flexíveis e habilidosos com o manejo da bola, os tornarão em verdadeiros “arrietes” por sobre a defesa adversária, tanto no sentido incisivo à cesta (prioridade dos dois pontos), como no sentido contrário, de dentro para fora do mesmo, onde os arremessos de dois ainda serão os de maior eficiência, e mesmo os de três, executados por aqueles jogadores que realmente os dominam, de uma forma mais equilibrada e protegida. A integração destes dois setores aparentemente estanques é que conotarão a qualidade do sistema proposto, que como todo sistema aberto prioriza a técnica, a improvisação e a perfeita leitura de jogo, todas ações aleatórias, que são variáveis constantes nos desportos de contato físico. Quanto ao três jogadores mencionados, o Splitter, o Varejão e o Nenê, imagine-os jogando dentro do sistema que defini a seu pedido. Encaixe mais do que perfeito, mas não nos iludamos, é ousado demais para o gosto estratificado de nossos experts. O Magnano? Talvez…(…)
Como vemos, desde aquela época (na realidade dos fatos, bem antes, cerca de 40 anos desde que comecei a desenvolver o sistema), já propugnava uma radical mudança na forma de como todos atuavam, propondo uma maneira diferenciada e democrática de jogar o grande jogo, bem sei extremamente trabalhosa, pois partia do princípio de que todos os jogadores teriam de voltar a exercitar fortemente a prática dos fundamentos, a fim de se adequarem o melhor possível frente a uma proposta a que não estavam acostumados, sequer conheciam, o de jogarem em dupla armação e tripla presença dentro, muito dentro do perímetro interno, todos em constante e permanente movimentação com e sem a bola, fluindo de fora para dentro e de dentro para fora do mesmo, onde os passes de contorno praticamente inexistiriam, tornando as ações ofensivas incisivas e permanentemente em direção a cesta, de 2 em 2 e 1 em 1 pontos, assim como, se utilizando do princípio defensivo da linha da bola com flutuação lateralizada, sistema este que passado todos estes 12 anos nenhuma das equipes da nossa elite sequer tentou utilizar, ou por negligenciá-la, ou mesmo por não entendê-la, e na dúvida, com a aceitação de todas, partirem para o duelo dos arremessos de três deixando de lado contestações e desgastes defendendo cansativamente com as pernas, adotando os braços e a posição erecta, mais a vontade, vencendo aquela que acertasse a última bolinha, desencadeando a catástrofe em que se tornou o grande jogo entre nós, onde a convergência entre os arremessos de 2 e os de 3 praticamente atingiram o mesmo número de tentativas, numa escalada inversa e de uma mediocridade e falta de inteligência atroz…
Com a quantidade de jogadores altos, entre pivôs e alas, que ora atuam dentro e fora do país, e os bons armadores que agora temos, creio que nada impediria que atuássemos ofensiva e defensivamente diferentes dos demais, equilibrando a nossa inferioridade nos fundamentos, forçando a quebra de alguns dogmas que tornaram o sistema único num padrão universal, onde as duas ou três exceções (aí incluída a corajosa opção do coach K) plenamente justifica a regra geral, da qual teríamos de nos livrar para reacender ao lugar do qual nunca deveríamos ter saído, obra e arte do corporativismo técnico e tático que nos foi impingido de 30 anos para cá, e que ainda insiste em se manter absoluto e imperial, colonizado e hipnotizado por um jogo que não é, e jamais foi o nosso, e sim de um país que nos é radicalmente oposto, econômica, educacional, política e culturalmente em todos os sentidos…
Nomes serão anunciados em breve, e peço contrito aos deuses que permitam que uma nesga de coragem em inovar seja, ao menos, considerada, o que já seria uma enorme evolução ante ao cenário de mesmice endêmica que nos esmaga e humilha a tempo demais. Mas, será que temos um, ou nomes que encarem tão necessárias e estratégicas mudanças? Para começar um “chega” seria de bom tamanho, ou não?
Amém.
Foto – autoria própria na Rio 2016. Clique na mesma para ampliá-la e acessar a legenda.